No país é possível realizar doações ainda em vida e, para casos de morte encefálica, familiares têm papel fundamental para autorização dos transplantes
A conscientização sobre a doação de órgãos e tecidos, no Brasil, tem o “Setembro Verde” como mês de incentivo e esclarecimentos sobre o tema, que precisa ser discutido por todos. Segundo dados de agosto de 2024, no Brasil, 44.086 pessoas esperam por um transplante de órgão, sendo 25.800 do sexo masculino e 18.200 sexo feminino. De transplantes realizados até agora, 5.772 pacientes foram beneficiados, com uma média de 3.500 homens e 2.100 mulheres.
As doações de órgãos, como relata o médico intensivista, professor e membro da Associação Brusquense de Medicina (ABM), Marcus Couto, seguem as normativas estabelecidas pelo Sistema Nacional de Transplantes, estrutura do Ministério da Saúde, por meio da Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT), que é responsável pela regulamentação, controle e monitoramento do processo de doação e transplantes realizados no país. “A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento é permitida pela Lei nº 9434/1997, de fevereiro de 1997, regulamentada pelo Decreto nº 9175/2017 de outubro de 2017. Já, os critérios que organizam a fila de transplante de órgãos são estabelecidos na Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de setembro de 2017, que aprovou o Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes. É por meio dessa regulação que o STN não permite nem privilégios, nem intervenções externas na fila de transplantes, bem como institui sua auditoria”, explica o médico.
Pacientes em quadro de morte encefálica compõem a maior parte dos doadores. Outro perfil de potencial doador são pessoas que tiveram um quadro de morte cardiovascular confirmada. Para garantir a segurança e saúde do possível receptor do órgãos, pessoas acima dos 90 anos, com câncer ativo metastático ou tumores de alto risco ativos (melanoma, coriocarcinoma, pulmão, mama, cólon), com doença de Creutzfeld-Jakob (Doença cerebral degenerativa que leva a demência e morte); ou HIV ou neoplasia hematológica ativa não são destinados para transplante. O mesmo vale para órgãos sem ventilação mecânica.
DOADORES EM POTENCIAL E LISTA DE ESPERA
A doação de órgãos no Brasil pode contar com doadores pacientes de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) que tenham tido morte encefálica confirmada e que comunicaram seus familiares anteriormente o desejo de doar. Há ainda os doadores vivos, que são pessoas saudáveis e que podem doar um dos rins, parte do fígado, medula óssea e pulmão para parentes de até quarto grau ou cônjuges. Transplantes para pessoas sem grau de parentesco só é permitido com autorização judicial. Já “doadores cadáver”, são pacientes em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) com morte encefálica confirmada, geralmente vítimas de traumatismo craniano ou AVE (derrame cerebral). A retirada dos órgãos é realizada em centro cirúrgico como qualquer outra cirurgia e eles podem doar o coração, pulmão, fígado, pâncreas, intestino, rim, córnea, veia, ossos e tendão.
“Hoje, no Brasil, para ser doador não é necessário deixar nada por escrito, em nenhum documento. Basta comunicar sua família do desejo da doação. A doação de órgãos só acontece após autorização”, esclarece o médico. Já quanto ao diagnóstico de morte encefálica, afirma a regulamentação do Conselho Federal de Medicina determina que dois médicos de diferentes áreas examinem o paciente e eles serão considerados capacitados se tiverem, no mínimo, um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma e que tenham acompanhado ou realizado, pelo menos, dez determinações de ME ou tenha curso de capacitação para determinar ME. “Além disso, um dos médicos especificamente capacitados deverá ser especialista em uma das seguintes especialidades: medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. Na indisponibilidade de qualquer um dos especialistas anteriormente citados, o procedimento deverá ser concluído por outro médico especificamente capacitado. Vale destacar ainda, que o paciente passa por exame complementar antes da confirmação do quadro. Após a comprovação inequívoca da morte encefálica através dos resultados dos exames, o médico deverá informar aos familiares os resultados e a confirmação da ME”, completa o médico. (Mais informações no anexo)
Os órgãos doados beneficiam pacientes que necessitam de um transplante e estão aguardando em lista definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada Estado e controlada pelo Ministério Público. A lista para transplantes é única e vale tanto para os pacientes do SUS quanto para os da rede privada.
“Tipagem sanguínea, compatibilidade de peso e altura, compatibilidade genética e critérios de gravidade para cada órgão determinam a ordem de pacientes a serem transplantados”, descreve. “Quando os critérios técnicos são semelhantes, a ordem cronológica de cadastro, ou seja, a ordem de chegada, funciona como critério de desempate. Pacientes em estado crítico são atendidos com prioridade, em razão de sua condição clínica”, completa o médico.
Além disso, algumas situações de extrema gravidade com risco de morte e condições clínicas de um paciente aguardando transplante também são determinantes na organização da fila do transplante. “São eventos determinantes de prioridade na fila de doação: a impossibilidade total de acesso para diálise (filtração do sangue), no caso de doentes renais; a insuficiência hepática aguda grave, para doentes do fígado; necessidade de assistência circulatória, para pacientes cardiopatas; e rejeição de órgãos recentes transplantados”, explica Couto.
O médico intensivista descreve ainda a importância das doações de órgãos, pois segundo ele, “muito se fala, muitas dúvidas existem, há muitos ‘pré-conceitos’ com relação a doação de órgãos e tecidos, mas é importante que todos saibam que isso não é feito ao acaso. Existe uma regulamentação para que seja feita de uma forma organizada, criteriosa, para que não se faça um diagnóstico errado na morte encefálica e para que tenhamos cada vez mais, potenciais doadores. Sabemos a quantidade de pessoas no Brasil que tem necessidade de doação de órgãos e as vezes a gente acha que está perdendo uma vida, mas essa vida está salvando muitas outras”.